domingo, 29 de janeiro de 2017

A tartaruga de um único olho

A tartaruga de um único olho


Nas profundezas do oceano vivia uma milenar e solitária tartaruga. Já não conseguia nadar muito bem e, ainda por cima, tinha um olho só. Para ela, objetos próximos pareciam estar distantes, e os que estavam longe a iludiam, parecendo próximos.
As duas coisas que ela mais desejava na vida eram: aquecer suas costas tão frias nos raios do sol e refrescar sua barriga que queimava como uma brasa. Como satisfazer tais desejos?
Se ela fosse para uma região tropical, talvez pudesse aliviar o frio de suas costas, mas sua barriga seria devorada pelo calor. Se fosse para os polos, com certeza esfriaria sua barriga, mas suas costas seriam congeladas.
O mar, que era sábio e nunca ficava parado, soprou-lhe a seguinte solução: “Você deve procurar um tronco de sândalo vermelho flutuante. Ele deve ter no meio uma cavidade de tamanho médio. Suba nele e coloque a barriga na abertura para poder flutuar nas águas. Se assim o fizer, suas costas serão aquecidas pelo sol e, ao mesmo tempo, o suor de sua barriga escorrerá pela abertura da madeira. A madeira do sândalo é a única que possui esse poder místico”.
A tarefa não era fácil. Se encontrar um pedaço tão nobre de madeira boiando já seria difícil, o que dizer de um sândalo com aquelas características em meio ao grande oceano? Deveria ser vermelho e ter uma abertura de tamanho exato. Além disso, devido às suas dificuldades de locomoção e a ausência de corrente marítima adequada, ela só poderia flutuar até a superfície a cada mil anos, e logo voltaria a submergir para o fundo do oceano. E se isso não bastasse, sua única e fraca visão tornava as coisas mais difíceis ainda.
Algumas vezes vislumbrava um tronco qualquer e nadava em sua direção, e descobria que fora enganada pela sua debilitada visão. O tronco sempre estava mais distante do que imaginara, e por vezes ela o buscava pela direita enquanto, na verdade, ele flutuava pela esquerda, Chegou a topar com vários troncos em sua busca esperançosa, mas eram simples galhos de outras árvores e não o sândalo de que precisava.
Um dia, como que por magia, viu um pedaço de madeira de sândalo bailando sobre as ondas do mar. Lançou-se em direção a ele com o coração saltando de alegria. Era vermelho e havia um buraco nele. Pensou: “Estou salva, minha busca chegou ao fim”.
Sua alegria durou pouco. Logo percebeu que, embora houvesse uma pequena depressão na madeira, não havia uma abertura como imaginava. Sua visão a havia enganado mais uma vez. Tentou de todas as formas fazer um furo no sândalo, mas ele era duro demais.
Exausta e já sem forças soltou-se do tronco, que agora em direção oposta. Era muita tristeza e suas lágrimas confundiam-se com as águas do mar.
Conclusão
No escrito A Tartaruga de Um Olho e o Tronco Flutuante, o buda Nichiren Daishonin menciona essa história citada no 27o capítulo do Sutra do Lótus, "Rei Adorno Magnífico", para ilustrar quanto é raro encontrar o Sutra do Lótus e, mais ainda, encontrar o Nam-myoho-renge‑kyo, ao mesmo tempo em que mostra a nossa boa sorte em praticar o budismo.
O oceano representa o mar dos sofrimentos do nascimento e da morte, e a tartaruga, os seres vivos; a falta de nadadeiras ilustra a falta de boa sorte; o calor de seu ventre representa os oito infernos escaldantes aos quais somos levados pela nossa ira e pelos ressentimentos; o frio de seu dorso, os oito infernos gelados que resultam de nossa cobiça e ganância; sua permanência no fundo do oceano indica que caímos nos "três maus caminhos" e que não podemos emergir facilmente.
Sua ascensão à superfície somente uma vez a cada mil anos ilustra a dificuldade de emergir desses caminhos e o nascer como ser humano; o fato de o tronco de sândalo ser difícil de encontrar representa que é fácil encontrar os outros sutras e difícil encontrar o Sutra do Lótus. E, mesmo que a tartaruga encontrasse um tronco de sândalo flutuante, encontrar um com uma abertura adequada seria ainda mais difícil. Isso significa que, mesmo que alguém encontre o Sutra do Lótus, é raro vir a recitar Nam-myoho-renge-kyo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário