O castelo do Reino Unido
Meu mestre, segundo presidente da Soka Gakkai, Josei Toda, adorava castelos. O ideograma chinês jo — “castelo” — faz parte do seu nome. Ele me presenteou com o pseudônimo Daijo, que significa “grandioso castelo”.
O Sr. Toda se levantou sozinho perante as ruínas da Segunda Guerra Mundial e iniciou a construção de um castelo da felicidade e da justiça para todas as pessoas, um castelo imbuído da filosofia da dignidade da vida. Ele confiou em nós, jovens, para proteger esse castelo e transformá-lo num grandioso castelo de paz, cultura e educação para expandi-lo ao mundo.
O Centro Cultural Taplow Court — castelo do kosen-rufu do Reino Unido — foi inaugurado em maio de 1989, 27 anos atrás, em uma colina perto do rio Tâmisa, aproximadamente 40 quilômetros a oeste de Londres.
Quando visitei pela primeira vez esse centro cultural, o prédio principal feito de tijolos vermelhos estava cercado pela vegetação, e o céu azulado se estendia sobre os telhados pontiagudos.
Assim que cheguei, iniciou-se um diálogo muito agradável com os associados da localidade, repletos de dignidade e humor caloroso como verdadeiros cavalheiros e damas britânicos. Representantes da DE também estavam presentes, com os olhos brilhando. Caminhei com eles pelo jardim e arredores, que foram delicadamente cuidados pelos membros.
Daquele momento em diante tive maravilhosos encontros com os Estudantes todas as vezes que visitei o local. Aqueles jovens amigos cresceram e se tornaram líderes, agora estão na vanguarda de sua localidade.
O Centro Cultural Taplow Court é verdadeiramente um castelo de esperança, e será no futuro um lugar onde pessoas abertas ao treinamento se aprimorarão.
Existe uma área que fica logo acima do Centro Cultural Taplow Hill que dizem estar inabitada há pelo menos 2 mil anos. No terreno desse centro cultural também existem lugares com 1.400 anos de existência.
Na metade do século 19, Taplow Court sofreu uma reforma que resultou em seu aspecto gótico-vitoriano. Os jardins — dispostos geometricamente —, assim como os caminhos de cedro, de norte a sul são magníficos.
Devido à sua proximidade com o castelo de Windsor — residência da família real —, Taplow Court foi palco de encontros sociais. Soube certa vez de um ditado que diz “se você aluga um cavalo em Windsor, ele naturalmente irá cavalgar até Taplow”. O lugar também foi visitado por outras famílias reais e escritores famosos como Rudyard Kipling (1865—1936) e Oscar Wilde (1954—1900), fazendo com que esse centro cultural adquira um rico histórico.
Desejo que vocês algum dia tenham a chance de levar seus pais e familiares para visitar o Centro Cultural Taplow Court.
O primeiro-ministro britânico Winston Churchill (1874—1965) também adorava Taplow Court. Ele chegou a plantar ali uma árvore, que cresceu majestosamente em sua forma mais singular. “O futuro está em nossas mãos. Nós somos responsáveis pelas escolhas em nossa vida”¹ — essa era a convicção de Churchill enquanto ele liderava a Inglaterra em sua luta contra o ataque dos militares nazistas.
O que se tornou a base de vida do primeiro‑ministro? Muita leitura! Um dos livros favoritos de Churchill era A História do Declínio e Queda do Império Romano do autor Edward Gibbon. Por causa de seu estudo aprofundado sobre história, ele estava apto a olhar para o futuro com mente aberta.
Churchill diz: “Se não pode ler todos os seus livros, de forma alguma, deixe eles se tornarem seus amigos”.1
Comecem com os livros que vocês já possuem em casa, ou vão até a biblioteca e peguem a primeira obra que despertar seu interesse. O mais importante é continuarem folheando-a, pois tenho certeza de que lhes dará uma nova perspectiva de vida.
“Qual o assunto deste livro?” — esse tipo de emoção e curiosidade ajuda descobrir e desenvolver o potencial de cada pessoa. Abrir um livro é como abrir uma porta para o futuro.
O Reino Unido é um país com tradição
quando se trata de direitos humanos. A Magna Carta foi o documento que limitou os poderes dos monarcas da Inglaterra, assinada no século 13. Algumas cláusulas ainda permanecem como parte da Constituição britânica e também possuem influência no rascunho da Constituição americana, assim como muitos outros documentos importantes ao redor do mundo.
Também, o Reino Unido foi palco do início da Revolução Industrial e líder em modernização. A capital, Londres, continua fascinando muitas pessoas, e é conhecida na história como uma das cidades mais cosmopolitas do mundo. Um terço de sua população é formado por indivíduos de fora do país. É uma capital dos cidadãos globais, brilhando com sua tradição, inovação e diversidade.
Em maio de 1972, tive a oportunidade de visitar a casa de um dos maiores historiadores do século 20, Arnold J. Toynbee (1889—1975) a pedido do próprio Toynbee. Ele tinha 83 anos, e eu, 44. Apesar da diferença de idade, ele me escolheu para um diálogo sobre muitos assuntos desafiadores que a humanidade enfrentava. Nosso diálogo se estendeu pelo ano seguinte, totalizando mais de 40 horas.
Nós continuamos a compartilhar pensamentos através de cartas, e nosso diálogo foi posteriormente publicado no livro em inglês Choose Life (Escolha a Vida– Um Diálogo sobre o Futuro, em português). Traduzido para 28 idiomas, essa obra foi lida por presidentes, líderes mundiais, figuras culturais importantes de vários países e descrita como “um livro para a humanidade”.
Ainda sobre a vida dedicada à educação, Toynbee citou uma passagem de uma antiga comédia escrita pelo dramaturgo romano Terrence: “Eu sou um homem; eu não considero os assuntos dos outros como se não fossem da minha conta”.3
O Dr. Toynbee foi tomado por uma forte e determinada paixão de continuar seus esforços enquanto existisse uma pessoa sofrendo.
Quando lhe perguntei qual era seu lema, respondeu imediatamente: “Laboremus, em latim, que significa ‘vamos trabalhar’”. Embora eu esteja mais velho agora do que quando o conheci, continuo a me inspirar para agir com essas mesmas palavras.
Enquanto Toynbee viveu, cultivou suas amizades da Universidade de Oxford como se fossem preciosos tesouros, embora a maioria tenha falecido muito jovem durante a Primeira Guerra Mundial. Na época, Toynbee estava doente e se declarou inapto para o serviço militar. Cerca de vinte fotografias de seus amigos de Oxford que morreram durante a guerra estão expostas sobre a lareira de seu apartamento.
Com lágrimas nos olhos, contou que quanto mais velho ficava, mais poderosas se tornavam as memórias dos amigos que faleceram. Ele pôde vivenciar experiências preciosas, porém não parava de pensar na morte desses amigos e como lhes foi tirada a chance de também vivenciarem tais experiências. Toynbee dedicou-se ao máximo aos estudos, lutando por seus companheiros que não tiveram essa oportunidade. E estava determinado a assumir a vanguarda para abrir caminho a outros jovens que, por causa da guerra ou por estarem em situação de pobreza, estavam impedidos de ter chance à educação.
Para Toynbee, adquirir conhecimento seria uma forma de demonstrar sua amizade aos amigos falecidos, assim como o ponto de partida para sua luta pela paz.
Existe uma expressão popular em
francês — usada também na língua
inglesa —, noblesse oblige [“obrigação da nobreza”, em português], a qual significa que aqueles que possuem a boa sorte de ter oportunidades têm a responsabilidade de ajudar aqueles que são menos privilegiados. E representa a tradição de que aqueles que possuem posição de liderança e desfrutam circunstâncias favoráveis têm a responsabilidade de estudar e transformar a si mesmos em pessoas melhores, construindo um “eu melhor” de sabedoria e coragem em prol do povo, mesmo que signifique pôr de lado seus interesses pessoais para o bem de outras pessoas. Por trás desse espírito de noblesse oblige estão os ideais da nobreza, que visam que os líderes se esforcem primeiro para polir o próprio caráter como seres humanos.
Toynbee foi um exemplo desse ideal. Enquanto conversávamos, ele enfatizou: “A educação deve ser a procura pelo entendimento da razão e do significado da vida, e também a descoberta de um modo correto de viver”.4
Nichiren Daishonin direciona: “Se a Lei que o indivíduo abraça é suprema, então a pessoa que a abraça deve ser exemplo dentre todas as outras” (WND, v. I, p. 61). Como praticantes do Budismo de Nichiren Daishonin, religião cuja filosofia é de extremo respeito à dignidade da vida, vocês estão se esforçando como bons filhos e filhas, cuidando de seus amigos e se dedicando aos estudos enquanto avançam rumo ao futuro. E com isso estão vivendo uma juventude sem arrependimentos, da forma mais nobre que possa existir.
Durante minha estada no Reino Unido, visitei dois lugares que foram muito significativos para a vida de Toynbee. O primeiro foi a Universidade de Oxford, e o segundo, a Universidade de Cambridge, alma mater (expressão em latim para designar instituições de ensino que formam intelectualmente seus alunos) da esposa dele, Veronica Toynbee (1894—1980). Eu me recordo do sorriso caloroso do casal Toynbee; os dois estavam muito satisfeitos por eu ter visitado essa universidade.
Escrevi a seguinte frase no livro de visita da biblioteca da Universidade de Oxford: “Educação e livros são os pilares dourados da humanidade, da sociedade e do indivíduo”.
O verdadeiro aprendizado permite nos tornar pilares dourados que podem apoiar as pessoas, a sociedade e a humanidade. Quanto mais um indivíduo estuda, mais ele pode brilhar.
“Por que estudar?” — Espero que vocês, bravos campeões Soka, da Divisão dos Estudantes nunca se esqueçam desse questionamento importante enquanto se desafiam em meio a suas leituras e estudos.
Aconteceu um fato memorável no verão do ano de 1971, ano anterior ao início do meu diálogo com Toynbee. Um curso de aprimoramento da Soka Gakkai com 7 mil participantes da DE‑Herdeiro estava acontecendo na prefeitura de Shizuoka, Japão.
Uma grande quantidade de escoteiros de vários países, que estavam participando de um encontro, acampavam perto de Asagiri Heights — próximo ao Monte Fuji, — quando a passagem de um tufão forçou-os a evacuar rapidamente a área. De imediato, fiz uma série de ajustes com os jovens da DE-Herdeiro para acomodar cerca de 6 mil escoteiros. Sinto orgulho ao lembrar que os componentes das bandas de fanfarra se apresentaram para dar-lhes boas-vindas, e muitos jovens brilhantemente serviram como intérpretes na ocasião.
O último grupo de escoteiros a evacuar a área e a se abrigar conosco foi o do Reino Unido. “Nós não nos importamos em ser os últimos, por favor, cuide primeiro de nossos amigos escoteiros de outros países”, disseram. Louvando a coragem desses escoteiros, cumprimentei-os apertando firmemente as mãos de seu líder.
Certa vez compartilhei uma antiga história de um cavaleiro para os jovens da SGI-Reino Unido. O cavaleiro foi capturado na batalha por seus inimigos, os quais alcançaram seu castelo. Ridicularizando-o, eles perguntaram: "Onde está o seu castelo? Você perdeu tudo!". Mas o cavaleiro capturado colocou a mão em seu coração e disse com dignidade: "Meu castelo está aqui em meu coração".
Espero que todos vocês edifiquem no coração castelos de sabedoria brilhando com boas maneiras e integridade, e castelos de convicção, baseados num firme compromisso com a verdade e a justiça — castelos tão belos e bonitos como o Centro Cultural Taplow Court.
O valor e o significado da vida de cada um nunca podem ser diminuídos por nada nem ninguém. O importante é que vocês possam se aprimorar com base numa filosofia sólida e saber quais as ações irão tomar e para que finalidade.
Junto com seus companheiros de todo o mundo, ergam-se como castelos imponentes, com o coração cheio de orgulho como portadores da justiça, avançando ao longo do grande caminho para a paz. Por favor, sejam sábios e tenham atitudes corajosas!
Nenhum comentário:
Postar um comentário